quinta-feira, 12 de abril de 2018

MINHA VIAGEM NA SANTA IZABEL - POR RENATO BORGES

Foto (créditos): Francisco Ventura.

Com exceção de tia Nega, que há muito já perambulava pelas cercanias do mercado, embora um pouquinho mais tarde, eu também tinha despertado antes que os primeiros raios de sol refletissem sobre a inconfundível toalha de napa com suas gravuras de frutas que cobria a grande mesa do alpendre.
Lembro-me disso, porque sentado rente à cacimba, bem ao lado do pé de castanhola, ainda conseguia escutar o cantar de um galo na vizinhança, além de constatar que a porta entreaberta que levava ao cômodo onde dormia meu tio Tontõe só mostrava o breu que parecia garantir que todas as redes a partir daquele ponto tinha o poder de manter seus respectivos donos em sono profundo.
Após rápida xícara com café, na qual segui molhando pouco a puco a metade de um pão com manteiga, que rapidamente devorei, saímos a passos acelerados rumo à Rua da Frente, mais precisamente, à porção que ficava diante da Pracinha do Por-do-Sol.
O quebra-mar ainda sem as cercas de proteção, era um calçadão de beiradas altas que, naqueles instantes, dava a impressão que descansava enquanto a maré ainda estava baixa. Foi por isso que tivemos de cruzar pelo convés de um velho barco de madeira, mais outro e outro mais, até descermos por uns pneus amarrados por grossas cordas de náilon azuis, indo, enfim, as poucas cadeiras que ainda estavam vazias na Santa Isabel, a velha lancha que nos levaria naquela travessia.
Os risos e o falatório da maioria dos passageiros direcionados àquele que entrara por último, Zé Cirilo, não deixavam dúvidas: só eu naquele dado instante era marinheiro de primeira viagem, minha primeira viagem a Grossos.
Conduzida pela força de um barulhento motor, a Santa Isabel mais e mais ia ganhando ligeireza, enquanto sentado bem ao lado de uma das janelinhas, à direita da pequenina embarcação que, parecia afundada naquele mundão de águas já prateadas pelo sol, eu brincava de tocar com as pontas dos dedos a correnteza, era como se eu jogasse escamas ao vento.
Ali, ao meu lado, aquela que tinha proporcionado todo aquele enredo, Tia Maria, satisfeita me abraçava, talvez, na tentativa de me proteger dos golpes da gelada brisa que assanhava meus cabelos ou, talvez, por necessitar de um pouco da euforia que em mim transbordava.
O tempo passou tão rápido que eu nem percebi que o som do motor havia cessado. Quando dei por mim, senti pequeno baque, como se fosse um sinal para que todos se levantassem, indo de encontro a um pequeno trapiche agarrado a um paredão de barro branco cintilante envolto a pedaços de conchas e ostras, havíamos chegado. 

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