sexta-feira, 24 de maio de 2019

QUEM DISSE QUE NÃO EXISTE FADA? - POR RENATO BORGES

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, pessoas em pé, planta, árvore e atividades ao ar livre


Era iniciozinho dos Anos Oitenta, disso nunca me esqueço: que filhos, pencas de netos, bisnetos e uma infinidade de outros parentes, alguns que eu sequer sabia que existiam... todos reunidos em Areia Branca para os festejos de bodas de ouro de vovó Raimunda.
Nas horas que antecediam ao alto ponto da citada festança, isto é, da missa, ia me batendo um misto de desespero com com constrangimento, uma vez que mais e mais pessoas iam abrindo suas respectivas malas e colocando sobre as camas leques e mais leques de pomposas roupas.
Ora, se essa infinidade de trajes propiciava dúvidas aos donos quanto a escolha das peças que deveriam de fato acompanhar-lhes aos cerimoniais na igreja da matriz à noite; a mim, parecia me deixar invisível, embora ali também figurasse como neto; era como se aquele mundo não me pertencesse, porque eu destoava da maioria, uma vez que só possuía para a dada ocasião surradas roupas (já doadas por alguém que, inevitavelmente, as jogaria no lixo) e um par de estropiadas sandálias japonesas.
Quase sem esperança, já imaginavando o que faria nas horas em que ficaria solitário na casa até que os ritos daquela ocasião cessassem e eu pudesse ter novamente a companhia dos alaridos gerados pelos abastados parentes, escutei que alguém discretamente me chamava ao lado de uma das janelas que davam para o beco lateral, como se não quisesse que os demais soubessem.
Era tia Maria Helena, como fada discreta que nas famosas histórias regata personagens do borralho.
Assim, fomos os dois abraçados a uma loja do Centro, uma que ficava rente ao prédio do cartório (ali próximo à prefeitura).
Já no recinto, tendo o próprio gerente da citada loja como testemunha, ela me pediu que eu escolhesse as roupas e sapatos que mais desejasse e sorrindo, após passarmos no caixa, à medida em que cruzávamos a porta do estabelecimento, como se desejasse dissipar as nuances de vergonha que pairavam sobre meu rosto, brincou sorridente:
—- Ainda bem que essas tais bodas só acontecem a cada vinte e cinco anos!... --- Né, Renato?
Depois de muitos anos, décadas até, ao visitá-la, deixei carinhoso beijo na fronte e disse-lhe:
—- Tia querida, não há um dia nessa vida que eu não me lembre do favor que me fizeste. — Pois saibas que a maior injustiça que o destino poderia me aplicar seria a de não me dar a oportunidade de devolver-lhe em dobro o que me proporcionaste.
E como só ocorre com quem tem o coração enorme, acreditem... Ela, com o inconfundível sorriso que sempre a acompanha me jurou que não se lembrava desse ato de amor. E quem disse que não existe fada?
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Imagem: Maria Helena, moradora da Rua Deputado Manuel Avelino (Areia Branca/RN) e fada da supracitada história.
Obs: Essa brava mulher andou enferma nesses últimos dias, mas graças a Deus retornou ao convívio das muitos que a amam. Obrigado, Senhor!

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