Lá estava minha vó, no alto dos seus cento e poucos anos, praticamente, implorando que Gagaça (minha tia mais nova) lhe desse o almoço. De repente, escuto:
- Renato, falou vovó (eu já sabia que alguma história viria e que, ai de mim, se não a escutasse atentamente).
-Você está vendo como eles me tratam aqui?... Isso é pecado.
Pacientemente, virei a cadeira com o intuito de ouvi-la melhor. Não deu outra:
Pacientemente, virei a cadeira com o intuito de ouvi-la melhor. Não deu outra:
- Quando Jesus andava pela Terra, bateu na porta de um rico casal que, até o recebeu, embora tivesse lhe disponibilizado apenas uma velha e suja rede nos fundos de um alpendre e como almoço: um raso prato com algumas sardinhas fritas e requentadas.
E prosseguiu minha vó:
- Jesus viu que o casal rapidamente se escondeu num quarto levando consigo uma travessa contendo um grande e saboroso peixe. --- Mas nada falou, comeu pacientemente o que lhe deram e saindo, logo em seguida, pegando novamente a estrada.
Nessa hora em que eu participava desse causo, eis que aparece Maria das Graças (ou Gagaça, para os íntimos) com o tão implorado almoço da minha velha e querida parente que, entre colheradas, tentava terminar o enredo:
- De repente, a avarenta mulher que recebeu Cristo, engasgou-se com a espinha do tal peixe. --- Desesperado, o marido se lembra do viajante, mas ao procurá-lo se depara com a rede vazia... o que o faz sair mundo afora atrás de ajuda, disse-me a contadora de história.
Minha vó se engasgou nesse instante... Graças a Deus que era apenas grãos de arroz cozidos... É que tudo parecia muito real ou similar naquela história. Passado o susto, seguiu-se a historieta:
- Quando o desesperado homem conseguiu, enfim, chegar até Jesus, em prantos escutou santo conselho:
- Quando o desesperado homem conseguiu, enfim, chegar até Jesus, em prantos escutou santo conselho:
- Pobre homem!... se tivessem me ofertado aquele gigantesco pescado que esconderam de mim motivados pela gula, nesse exato instante, tu não estarias desesperado. --- Que fique a lição: a de tratar como a si mesmo todo necessitado que bata a vossa porta. --- Pode voltar a casa, homem!... Vossa esposa está bem!
Aí, levei novamente minha cadeira ao lugar de origem. Como era hora do almoço, meio pensativo e comedido, fui lentamente devorando grossa posta de peixe-espada bem ali diante do meu prato... e é lógico: morrendo de medo de me engasgar com espinhas.
Foi essa a última história que ouvi da minha vó.
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