quarta-feira, 1 de março de 2017

CRÔNICA POR RENATO BORGES



AS AVENTURAS DE UM PAR DE TÊNIS EM UM DISTANTE CARNAVAL.
 
Faltando dois dias para ir servir a Marinha, minha mãe me deu meu primeiro par de tênis. Achei-o lindo, branquinho com listras verdes. Na Marinha não consegui usá-lo, porque do mesmo modo que eu fiquei impedido de sair da Base por longos dois meses, o mesmo também ficara em sua apertada caixa. Todavia, como tudo passa nessa vida, nos liberaram no carnaval... e lá fomos nós, eu e meu par de tênis, a Areia Branca.
Quem diria, embora eu não tivesse um só tostão furado nos bolsos, passei o melhor carnaval da vida, uma vez que conheci a mais bela, dentre todas as namoradas que tive, uma verdadeira Gisele Bundcen do Agreste... era perfeita, porque não reclamava de nada; apenas sorria.
Nessa época, quem tinha dinheiro, pulava frevo dentro Ivipany Clube; quem não tinha, como nós, brincava na calçada, usufruindo das migalhas de sons que fugiam por entre as frestas das portas e janelas do clube. Mas, como diziam meus avós: "o diabo ronda nas cercanias desses festejos" e sem muitas delongas, convidei a moça para um passeio lá pras bandas da beira-mar, onde ficam os barcos... que péssima ideia!
Quando comecei a acariciá-la, senti algo meio mole sob o pé direito e, pelo mau cheiro já sabia do que se tratava, o ambiente ficou insuportável, ao ponto de precisar retornar à casa de minha vó para lavar os pés.
Caminhando, eu fingia que nada tinha acontecido, mas ao passar pela pracinha da igreja um garoto pôs fim a minha dissimulação:
--- Moco. Moço! seu tênis tá até o talo de cocô!
Ah!... garoto cruel... por que não ficaste calado?!
Assim, na escuridão da noite, lavei os pés e fomos novamente à festa.
No outro dia, no café da manhã, todos podiam ver que eu estava feliz da vida, pelo menos, até uma colocação de tia Nega:
--- Que coisa é essa?... um tênis branco e outro laranja? o dono desse calçado pode esquecê-lo, pois cocô com colorau quando pega no plástico, nunca mais sai!
Que pena que meu primeiro par de tênis tenha ficado tão pouco tempo diante dos meus olhos!

Renato Borges


O Autor


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