quinta-feira, 26 de abril de 2018

AS BATALHAS DE MARIA BOA - POR RENATO BORGES

Maria Boa (a dona do mais famoso cabaré do Rio Grande do Norte)


Em pleno coração de uma Natal, diga-se, já moderna, havia uma espécie de palácio invisível aos olhos de muitos. Um lugar que poderia figurar facilmente nesses romances onde as personagens se aventuram em dimensões paralelas, igualzinho a essas histórias, onde vilões e mocinhos sempre tendem a passa por portões mágicos.
No caso em questão, esse mesmo portal também costumava dar acesso a peculiar grupo de rapazolas, a um previsível e pontual punhado de marujos provenientes de Areia Branca e Mossoró, silhuetas que pareciam deslizar, em meio as próprias gargalhadas rente as paredes do Viaduto do Balde, quando guinavam à esquerda, subindo rumo à Cidade Alta. Éramos mariposas atraídas pela luz... Luz do Cabaré de Maria Boa.
Como a um bom marujo não cabem somente registros de histórias pomposas e perfumadas, seria pequenez de minha parte negar agora que jamais estive em tal lupanar. Afinal, cabaré que se preze tem de registrar histórias com marinheiros (e vice-versa). Todavia, ratifico que só fiquei em tais salões por cerca de dez minutos (que pareciam durar toda uma vida) e em uma única vez.
O tal lugar guardava em si um misto de mistério com satisfação. Afirmo isso, porque o vai-e-vem de tantas mulheres bonitas praticamente me hipnotizou em meio àquela mobília, senão de mal gosto, certamente deveras esquisita. Mas fui trazido de volta à realidade por uma gravura emoldurada e presa a altura dos meus olhos em uma das paredes do grande salão: na imagem se vislumbrava um típico avião da Segunda Guerra e na fuselagem do mesmo, bem na parte dianteira, os mesmos dizeres da placa da entrada: “MARIA BOA”. É que naquele espaço, décadas antes, aquelas dependências viviam abarrotadas de soldados que iriam lutar na Europa nos anos quarenta.
Como todo marinheiro em inicio de carreira vive inventando guerras e nas mesmas se incluindo como herói, passei a imaginar o que justificaria a dona do tal bordel, Maria Boa, em certa medida, figurar como personagem das ferozes e famosas batalhas da Segunda Guerra Mundial.
Em seguida, entendi que a mesma em seu apogeu de beleza física tinha o poder de encantar, como se fosse a própria Medusa dos enredos clássicos (a que transformava em pedra aquele que ousasse lhe lançar olhares) todos os desatentos, até mesmo os que só estiveram ali de passagem, tomando fôlego antes de se lançarem em duras batalhas.
Assim, se Maria Boa não participou em carne e osso desses combates, certamente, o fez através do próprio nome, como se o próprio letreiro em neon daquela casa noturna tivesse sido tatuado no avião que que se via na fotografia.
Como certa tabela de preços disposta sobre um balcão no rol de entrada tinha o poder de acelerar as horas, um a um, cada companheiro que comigo ali chegara ia sendo libertado dos pequeninos quartos que se espraiavam pelos confins do famoso estabelecimento. Afinal, tínhamos horas contadas para retornar pelo mesmo portal à Base Ary Parrreira e ao Hospital Naval, como era meu caso e é lógico: preenchendo o silêncio das cercanias com nossas gargalhadas.

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