sábado, 26 de maio de 2018

O RESGATE DE "MERENDINHA" - POR RENATO BORGES


Constantemente, turbilhões de lembranças da casa da minha vó Raimunda parecem despertar.Quando isso acontece, o próprio tempo passa uma impressão de ter andado dormindo junto as mesmas, ou seja, parece não ter passado.
A casa em tela, a que passei grande parte da infância e adolescência, sob minha ótica parecia ter sido construída justamente para proporcionar e guardar as fantásticas histórias de quem por aquele assoalho perambulou.Fora isso, por ser de proporções enormes, a quantidade de pessoas a ajudar nas tarefas diárias era justificada.
Ai, já na Marinha, resolvi dar um pulinho, como falam, em Areia Branca. Ao dar os primeiros passos no quartel general da família Souza, por um momento, pensei ter entrado na casa errada, pois eu tinha a impressão de estar em uma grande caixa de sapatos em alvenaria, ou seja, pouco da antiga casa havia sobrado.
E a sensação de incerteza só aumentou quando me deparei com aquele homem de características incongruentes: se por um lado era alto e musculoso; por outro, trajava uma camiseta sem mangas de cor amarela amarrada a altura do umbigo, além de falar com uma voz fininha, que se eu o ouvisse de olhos fechados poderia jurar que se tratava de uma mulher. Era o "Merendinha".
Ao me deparar com os primeiros parentes, prontamente já fui perguntando:
--- Tia Nega, onde está o povo pra lavar e passa a roupa?...---Quem está lavando a louça, limpando a casa, fazendo as compras e vendendo os bolos de tia Chica?
--- Ah!... Meu filho, tudo agora é com o "Merendinha", respondeu-me a tal parente.
Mas como o diabo adora uma algazarra, em certo início de manhã, Merendinha tinha, como de costume, ido comprar algo para o almoço, mas não retornou. E deu dez, onze...meio-dia e nada de Merendinha.
Pense na confusão que se instalou na casa: louças quase a tocar o teto por lavar, trouxas e trouxas de roupas sujas no terraço e nada de almoço, sem dúvida, a casa estava um caos. Piorando o ensejo, eis que alguém, aos gritos, adentra ao devastado ambiente com terrível manchete:
--- Dona Raimunda, os soldados prenderam Merendinha!
Não havia como duvidar, a partir do alardeado, um clima de velório perdurou ali por quase toda a tarde, até que outra pessoa, com o mesmo "modus operandi" da anterior trocasse o mote:
--- Lá vem Montejúnior (meu primo, in memoriam) resgatando Merendinha!
Reza a lenda que o juiz que expediu o Alvará de Soltura de Merendinha tinha o coração mole e mais mole ainda tinha ficado ao pressentir que, caso não tomasse logo uma providência, era bem provável que as dezenas de famintos que estavam a espera do almoço que deveria ter sido preparado por Merendinha em pouco tempo estariam a bater panelas a sua porta.
E antes que alguém me pergunte sobre o quê teria levado Merendinha ao chilindró, adianto que isso é tese pra outro causo. kkkkkkk

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